Paracetamol pode causar asma? O que demonstram as evidências?
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Existe nexo de causalidade entre paracetamol e asma?
Qual a hipótese mais provável?
Qual a relação entre a depleção da glutationa intracelular, paracetamol e a asma?
Introdução
Vários estudos evidenciaram uma associação entre o uso do antipirético paracetamol durante a gravidez e infância e o aumento do risco de asma (1). Desde os primeiros relatos dos efeitos adversos na função pulmonar do uso do ácido acetil salicílico (aspirina) em crianças asmáticas, o paracetamol tornou-se a opção terapêutica mais indicada como antipirético e analgésico. Um dos primeiros estudos publicados sobre o tema mostrava que o uso do paracetamol, apesar da indicação como substituto da aspirina, não era totalmente inócuo, sendo verificada a diminuição da função pulmonar nos pacientes incluídos no estudo, com queda do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) > 20% e/ou fluxo expiratório forçado (FEF25-75%) > 30% (2, 3).
Fisiopatologia
Uma pequena quantidade do metabolismo do paracetamol (1%) passa por um caminho oxidativo via sistema citocromo P-450, gerando um metabólito tóxico que é a N-acetil-p-amino-benzoquinoneimina (NAPQI). A mais importante isoforma do citocromo P-450 responsável por este caminho oxidativo é o CYP2E1, mas formas CYP3A4 e CYP1A2 estão também envolvidas (4). O NAPQI produzido, quando encontra níveis normais de glutationa, reage com esta em nível hepático, e é neutralizado e excretado. Seguindo a ingesta de quantidades repetidas do paracetamol, a glutationa é depletada e o NAPQI reage instantaneamente com o grupo sulfidrila nas proteínas hepáticas, podendo levar a danos hepáticos. De forma geral, a glutationa é encontrada na estrutura intracelular de quase todas as células do organismo humano, e sua depleção está associada ao uso frequente e em altas doses do Paracetamol (5, 6).
O paracetamol diminui os níveis de glutationa, principalmente no fígado e rins, mas também nos pulmões. Esta diminuição é dose dependente: níveis altos e contínuos do paracetamol são citotóxicos e causam injúria aguda pulmonar, embora doses terapêuticas também possam produzir significante redução dos níveis de glutationa nos pneumócitos tipo II e macrófagos alveolares (7).
Evidências
Pesquisadores evidenciaram que a exposição pré-natal ao uso do paracetamol, principalmente no início da gravidez, desencadeou sibilância na idade de 5 anos, devido a alterações de polimorfismo genético da GSTP1, sugerindo um mecanismo envolvendo a via da glutationa (8).
Paracetamol utilizado por mulheres na gestação, principalmente no final da gravidez, foi associado a um risco aumentado de sibilância na prole aos 30-42 meses em comparação ao não uso, principalmente se a sibilância começar antes dos 6 meses (9).
O paracetamol, e não a aspirina, no final da gravidez foi associado positivamente à asma, comparado com mães que não tomaram paracetamol. Nesta pesquisa os autores concluíram que a exposição materna ao paracetamol no final da gestação pode causar asma, sibilância e elevação de IgE em crianças em idade escolar (10).
Outra pesquisa, em que irmãos foram comparados para o risco de alergia, o uso de paracetamol durante a gestação foi associado à asma. além disso, o uso de paracetamol durante a gestação e os primeiros meses de vida pode desempenhar um papel no desenvolvimento de asma alérgica em crianças (11).
Em pesquisa realizada examinando a exposição pré-natal ao paracetamol de 66.445 gestantes, em coorte nacional de nascimento na Dinamarca, o uso do paracetamol durante qualquer período da gravidez foi associado a um risco estatisticamente significativo de asma ou bronquite em crianças menores de 18 meses. Os autores concluíram que se essa associação for, causal, talvez seja necessário revisar a prática clínica sobre o uso de paracetamol durante a gravidez (12).
Outro estudo realizado na Espanha com 1.741 crianças entre 3 e 5 anos de idade, comparando às mães que nunca tomaram paracetamol, houve uma associação significativa entre a mãe ter tomado paracetamol na gravidez ao menos uma vez por mês, e seus filhos que sofrem de chiado na idade pré-escolar. Os autores concluíram que o uso frequente de paracetamol durante a gravidez está associado à prevalência de sibilos na prole durante os anos pré-escolares (13).
Outros pesquisadores relataram que o aumento da prevalência da asma aumentou nos países desenvolvidos entre as décadas de 1970 e 1990, em associação ao aumento de prescrição de paracetamol. Eles acompanharam 345 mulheres, e evidenciaram que o uso de paracetamol na gravidez média e tardia, mas não a precoce, estava significativamente relacionada à sibilância (14).
Estudo realizado na Nova Zelândia e publicado no Lancet, em 2008, 205.487 crianças entre 6 e 7 anos de 73 centros em 31 países foram incluídas na análise. O uso de paracetamol para febre no primeiro ano de vida foi associado a um risco aumentado de sintomas de asma entre os 6 e 7 anos de idade. O uso atual de paracetamol foi associado a um risco aumentado de sintomas de asma, dependente da dose. O uso de paracetamol foi similarmente associado ao risco de sintomas graves de asma, com riscos atribuíveis à população entre 22% e 38%. O uso de paracetamol, tanto no primeiro ano de vida quanto em crianças de 6 a 7 anos, também foi associado a um risco aumentado de sintomas de rinoconjuntivite e eczema (15).
Paracetamol pode estimular padrão que leva à doenças alérgicas?
Estudo duplo-cego, randomizado e controlado por placebo, demonstrou que a constante diminuição dos níveis de glutationa ocasionado pelo uso de paracetamol, causa um desvio de produção de citocinas do padrão Th1 para Th2, predispondo às desordens alérgicas. Além disso, ao reduzir a febre, o paracetamol interrompe a liberação de citocinas como o interferon INF-γ e IL-2, que são citocinas de perfil predominante Th1 (16).
Conclusão
Evidências científicas de estudos observacionais tem demonstrado relação entre utilização de paracetamol na gestação e na infância e o aumento da incidência da asma. Mecanismos fisiopatológicos sugestivos são a diminuição da glutationa e deslocamento da imunidade Th1 para imunidade Th2 (mais alergênico) ocasionadas pelo uso do paracetamol.
Fonte:
1.Sordillo JE, Scirica CV, Rifas-Shiman SL, et al. Prenatal and infant exposure to acetaminophen and ibuprofen and the risk for wheeze and asthma in children. J Allergy Clin Immunol. 2015;135(2):441-448. doi:10.1016/j.jaci.2014.07.065
2. Porter JDH, Robinson PH, Glasgow JFT, et al. Trends in the incidence of Reye’s syndrome and the use of aspirin. Arch Dis Child. 1990;65:826-9.
3. Fischer TJ, Guifoile TD, Kesarwala HH, et al. Adverse pulmonary responses to aspirin and acetaminophen in chronic childhood asthma. Pediatrics. 1983;71:313-8.
4.Ward B, Alexander-Williams JM. Paracetamol revisited: A review of the pharmacokinetics and pharmacodynamics. Acute Pain. 1999;2 Suppl 3:140-9.
5. Slattery JT, Wilson JM, Kalhorn TF, et al. Dose dependent pharmacokinetics of acetaminophen: Evidence of glutathione depletion in humans. Clin Pharmacol Ther. 1987;41:413-8.
6. Miner DJ, Kissinger PT. Evidence for the involvement on N-acetyl-p-quinoneimine in acetaminophen poisoning. Ann Rev Pharmacol Toxicot. 1983;12:251.
7. Dimova S, Hoet PH, Nemery B. Paracetamol (acetaminophen) cytotoxicity in rat type II pneumocytes and alveolar macrophages in vitro. Biochem Pharmacol. 2000;59:1467-75.
8.Perzanowski MS, Miller RL, Tang D, et al. Prenatal acetaminophen exposure and risk of wheeze at age 5 years in an urban low-income cohort. Thorax. 2010;65:118-23.
9. Shaheen SO, Newson RB, Sherriff A, Henderson AJ, Heron JE, Burney PGJ, et al. Paracetamol use in pregnancy and wheezing in early childhood. Thorax. 2002;57:958-63.
10. Shaheen SO, Newson RB, Henderson AJ, Headley JE, Stratton FD, Jones RW, et al. Prenatal paracetamol exposure and risk of asthma and elevated immunoglobulin E in childhood. Clin Exp Allergy. 2005;35:18-25.
11.Koniman R, Chan YH, Tan TN, Van Bever HP. A matched patient-sibling study on the usage of paracetamol and the subsequent development of allergy and asthma. Pediatr Allergy Immunol. 2007;18:128-34.
12.Rebordosa C, Kogevinas M, Sorensen HT, Olsen J. Pre-natal exposure to paracetamol and risk of wheezing and asthma in children: a birth cohort study. Int J Epidemiol. 2008;37:583-90.
13.Garcia-Marcos L, Sanchez-Solis M, Perez-Fernandez V, Pastor-Vivero MD, Mondejar-Lopez P, Valverde-Molina J. Is the effect of prenatal paracetamol exposure on preschool wheezing modified by asthma in the mother? Int Arch Allergy Immunol. 2008;149:33-7.
14.Persky V, Piorkowski J, Hernandez E, Chavez N, Wagner-Cassanova C, Vergara C, et al. Prenatal exposure to acetaminophen and respiratory symptoms in the first year of life. Ann Allergy Asthma Immunol. 2008;101:271-8.
15.Beasley R, Clayton T, Crane J, et al. Association between paracetamol use in infancy and childhood, and risk of asthma, rhinoconjunctivitis and eczema in children aged 6-7 years: analysis from Phase Three of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Lancet. 2008;372:1039-48.
16.Pernerstorfer T, Schmid R, Bieglmayer C, et al. Acetaminophen has greater antipyretic efficacy than aspirin in endotoxemia: a randomized, double-blind, placebo controlled trial. Clin Pharmacol Ther. 1999;66:51-7.